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Tristão e Isolda à la simplicidade de Ariano Suassuna 

Por George Carvalho

recomendadoteatro.jpgA trama simples e lendária de um amor proibido, construída com maestria por Ariano Suassuna, é a base para o espetáculo Fernando e Isaura, da Cia Remo Produções. A história de um dos grandes mitos do amor no ocidente – a lenda irlandesa Tristão e Isolda – é ambientada no Estado de Alagoas, às margens do Rio São Francisco. Nessa versão nordestina, é desvendado o romance proibido entre o vaqueiro Fernando e a romântica Isaura. Escrito em 1956, a história ganhou adaptação para o teatro em 2003, tendo o elenco renovado em 2005, e volta em cartaz no Teatro Armazém em maio de 2007, em curta temporada. A montagem também inaugurou o festival nacional de teatro do Sesc em Recife, o Palco Giratório.

 

Fernando (sentado) e seu Tio Marcos.          O enredo acompanha a história de Fernando, um rapaz que, ferido numa briga, é socorrido por Isaura, a qual se apaixona pelo enfermo mesmo ele estando em coma. Mas o rapaz parte sem conhecê-la e sem que esta lhe saiba o nome. Tempos depois, ao se reencontrarem, Isaura aproveita a oportunidade para revelar que cuidou dele na época em que esteve desacordado. Fernando se apaixona pela moça sem saber que ela está prometida em casamento a Marcos, um rico fazendeiro e tio do rapaz que o criou por ocasião da morte de seus pais e a quem ele representará no casamento, uma vez que Marcos não poderá comparecer a igreja, mandando que o sobrinho se casasse no seu lugar através de uma procuração.

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Mesmo a contragosto, Isaura se casa, se entregando ao amor da sua vida após um período de farpas entre os dois. Ao descobrir a traição, Marcos os expulsa da fazenda. Diante da miséria com a qual passam a conviver, Fernando consegue fazer com que seu tio perdoe a esposa. Esta volta a morar na fazenda, enquanto Fernando refaz sua vida casando-se com a irmã de seu patrão, a quem fora recomendado por Marcos, sem nunca esquecerem, no entanto, o amor que nutrem um pelo outro.

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Na adaptação para o teatro dirigida por Carlos Carvalho, o ambiente nordestino imaginado por Ariano ganha contorno através dos xotes, baiões, cocos-de-roda e marchi-nhas executados ao vivo (até então) pelo grupo SaGRAMA e do figurino concebido por Uziel Lima e pintado à mão por Dantas Suassuna, filho do Mestre Ariano. A trilha sonora peculiar aliada ao terno trabalho de iluminação envolve o espectador. O cenário é simples, composto por maquetes, marionetes e um caixote que faz às vezes de cama, de sofá ou de altar para Nossa Senhora, conforme a necessidade.

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Paula de Renor (em pé), Bobby Mergulhão e Cira Ramos. Por sugestão do próprio Ariano, o narrador foi dividido em dois nesta montagem. O elenco, formado por sete atores, se reveza na interpretação de tipos populares, como marinheiros e trabalhadores do cais. Os personagens centrais da narrativa são brilhantemente interpretados por Paula de Renor e Bobby Mergulhão. Merece destaque também a interpretação de Cira Ramos, que dá um show ao encenar tanto as cômicas personagens do baile de forró e da vizinha fuxiqueira de Marcos, como a melancólica esposa de Fernando.

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          As duas horas de espetáculo chegam a cansar um pouco, principalmente à medida que o tom dramático vai ganhando mais espaço em detrimento do humor mais corriqueiro presente no início da peça. Contudo, esse tom mais dra-mático que deixa a narrativa um pouco mais arrastada ao longo da montagem se instala à medida que a própria trajetória dos personagens centrais vai se definindo mais inóspita, seja pela condição de pobreza à qual são submetidos, seja pela separação que acomete o casal de enamorados.

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Quando voltar em maio ao Armazém, Fernando e Isaura não contará mais com trilha sonora ao vivo do grupo SaGrama. A trilha já está sendo gravada e os dez músicos só acompanharão o espetáculo em apresentações especiais, como nos festivais Cena Contemporânea, em Brasília, e Porto Alegre em Cena, dos quais a montagem participará em setembro. Um espetáculo sensível e bem cuidado que reflete toda a simplicidade de um dos maiores romancistas populares do Brasil. Só pelo texto de Ariano Suassuna já valeria a pena ver a peça. Com a interpretação de um elenco magnificamente entrosado, numa montagem que une música, verso e prosa, só ver não é o bastante: é um espetáculo pra ver e rever!