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Impactante e incômodo: o Armazém à la Nelson Rodrigues 

Por George Carvalho 

recomendadoteatro.jpg          Uma harmoniosa sintonia de elementos cênicos para contar uma história escrita pelo maior dramaturgo moderno brasileiro. A montagem de Toda Nudez Será Castigada pelo Armazém Companhia de Teatro venceu o prêmio Shell de Teatro (Rio) 2005, ganhando também os troféus de melhor direção (Paulo de Moraes) e iluminação (Maneco Quinderé), sendo vista por mais de 25 mil pessoas no ano passado. O texto de Nelson Rodrigues começa com a morte da protagonista: a ex-prostituta Geni conta para Herculano, seu esposo, do seu suicídio. “Herculano, quem te fala é uma morta! Eu morri. Me matei.” Assim, a história que se verá em cena – regada a muito sexo, amor, mentira e traição – não passa de um flash-back. Herculano, interpretado por Thales Coutinho, é um viúvo quase casto, que prometeu ao filho Serginho, jovem frágil de 18 anos, nunca substituir sua mãe por outra mulher. Contudo, Patrício, brilhantemente interpretado por Fabiano Medeiros, movido por um rancor e uma inveja desmedidos, planeja o encontro do irmão “quase-virgem” com a prostituta Geni, de Patrícia Selonk. Começa, então, uma relação de amor e culpa que vai culminar com a morte da protagonista e na qual Serginho, vivido por Sérgio Madeiros, o menino frágil que, aparentemente, não passava de um fantoche nas mãos das tias solteironas de Herculano, desempenhará um papel decisivo. 

Cena do prostibulo em que Geni vive          A montagem começa com ares de superprodução: uma atmosfera sombria, perfeitamente construída através da interação da música com os efeitos de luz, e três corpos que são arrastados do palco para três das portas que compõem o cenário, e se fecham em seguida. A partir de então, a trama começa a se desenrolar. A atmosfera sombria não deixa claro, no entanto, se o que se vê – e ouve – é real ou apenas divagações da mente perturbada de um homem barbudo que se contorce no canto do palco, assim como não fica explícito, na montagem, que a narrativa trata-se de um flash-back. 

          A Geni de Patrícia Selonk é, ao mesmo tempo, sonsa e sagaz; esperta e manipulável; causa pena, mas também asco. Já o Herculano, a sua caracterização, com a barba por fazer e cabelos por cortar, dá o devido tom do homem viúvo que deixou de viver após a morte da esposa. Contudo, a dubiedade do personagem, a dúvida existencial do “ser ou não ser”, poderia ser mais aprofundada. Fabiano Medeiros apresenta um Patrício bem lapidado, sem sobras nePatricia Selonk interpreta a protagonista Geni.m faltas numa excelente interpretação; o grande manipulador estrategista da história que conta com uma boa ajuda do destino para seus planos maquiavélicos. As tias solteironas estão muito bem colocadas na montagem; o jogo cênico com as saias funciona perfeitamente: as personagens aparecem e saem de cena como as fantasmas que são a atormentar os personagens do enredo. 

          O cenário, com todas aquelas portas, é o grande responsável pela dinâmica da montagem. O abrir e fechar destas portas, com os corpos das atrizes que interpretam o padre e o médico pendurados, causa um certo desconforto ao espectador, tal qual o desconforto que deve atormentar o personagem de Herculano nesse momento da peça. Como bem definiu Macksen Luiz, no Jornal do Brasil, a cenografia segue a linha expressionista que pauta a encenação, num equilíbrio perfeito entre as linguagens cênica e visual.  

          Saliente-se aqui, que o padre e o médico são interpretados por mulheres seminuas. Se o efeito era causar mais impacto, não era necessário, pois o próprio texto já é suficiente para causar tal efeito. E a própria atmosfera da montagem torna tais apelações desnecessárias. A montagem é Patrãia Selonk (Geni) e Thales Coutinho (Herculano).impactante. E não só pelo texto de Nelson Rodrigues, que já o é por si só. Mas, por tratar-se de um texto já bastante conhecido – Toda Nudez Será Castigada ganhou, inclusive, adaptação para o cinema -, o mérito pelo impacto que o espetáculo expressionista do Armazém Companhia de Teatro apresenta é ainda maior. Uma montagem em conformidade com toda a obra teatral de Nelson Rodrigues, tudo o que ela representa e todo o incômodo que causa!