IndicadoAoOscar.jpg            Entre o público, Sweeney Todd tem a desvantagem clara de ser classificado como um musical. Entre a crítica, a desvantagem velada, mas discreta, é que a obra foi dirigida por Tim Burton, conhecido pelos estranhos materiais cinematográficos que leva às telas, sendo seu mais recente sucesso, a Noiva Cadáver. O trunfo para solucionar ambas as questões reside num dos nomes mais excêntricos da atual Hollywood: Johnny Depp, que não apenas convence ao encarnar ‘O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet’, como consagra sua atuação com mais uma indicação ao Oscar, em parte motivada por seu carisma magnético, unanimidade desde o início de Piratas do Caribe, por exemplo.
            Em Sweeney Todd, nome fantasia do protagonista Benjamin Barker (Depp), a família Barker é desfeita graças aos desejos do corrupto Juiz Turpin (Alan Rickman), que deseja casar-se com a esposa de Barker. Para isso, prende o chefe da família, enlouquece a bela Lucy (Laura Michelle Kelly) e aprisiona a filha do casal, Johanna (Kayne Wisener). Passados 15 anos, Barker é libertado e sweeneytodd.jpgvolta a Londres em busca de vingança sob o pseudônimo de Sweeney Todd. No centro da história está a sra. Lovett (Helena Bonhan Carter), que ajuda Barker em sua missão ao mesmo tempo em que lucra à medida que Todd fornece ‘matéria-prima’ fresca para sua fábrica caseira de tortas de carne. 
            Com um orçamento de 50 milhões de dólares e um elenco de peso, Burton consegue trazer às telas a oitava adaptação uma obra convincente, imprimindo quase totalmente sua impressão num roteiro do início do século passado, mais de 80 anos após sua primeira obra cinematográfica. Ainda assim, o filme peca na consistência de suas canções, que muitas vezes não embalam e simplesmente, devido a seu teor gótico de segunda linha, não oferecem ao público material popular ou ‘memorabilístico’. Atestado máximo da fragilidade das canções é a inexistência de músicas líderes ou de obras originais que pudessem renovar o clássico Sweeney Todd a nosso tempo e, de quebra, garantir indicações ao Oscar em ‘Canção Original’, que geralmente lembra dos poucos blockbusters musicais do ano corrente.
            As atuações exageradas e as propostas macabras no estilo neo-trash apenas reforçam a marca Burton e dão espaço ao talento de Depp, que, pelo visto, procura as experiências mais distintas para explorar as artes dramáticas, ainda que seja impossível desassociar Todd do velho ‘mãos de tesoura’. Ao lado do protagonista, boa parte do elenco de Harry Potter disputa por um pouco de atenção, soltando a voz de forma comedida. A sra. Lovett é praticamente uma repetição de Carter da impecável Belatrix Lestrange de ‘A Ordem da Fênix’. O destaque discreto, mas totalmente notável fica a cargo de Sacha Baron Cohen, o Borat, responsável pela maior parte do teor cômico encontrado na obra.
            O filme teve ainda indicações em Maquiagem e Direção de Arte, além de ter ganho dois Globos de Ouro nas categorias Ator e Filme de Comédia/Musical.

“Do que você vai querer? Torta de juiz corrupto?”

IndicadoAoOscar.jpg            Por certo o sucesso de Os Indomáveis e suas duas indicações ao Oscar não representam que o velho estilo Western deverá voltar às telas como antigamente, mas, no mínimo, reforça o interesse de Hollywood em, não encontrando idéias totalmente originais, moderniza clássicos com competência. indomaveis.jpgFoi o caso de Galante e Sanguinário, de 1957, que ganhou nova paginação com os carismáticos Russel Crowe (Gladiador) e Christian Bale (Batman Begins).
            No longa, Ben Wade (Crowe) é um perigoso líder de ladrões responsável por mais de vinte assaltos milionários que é capturado e deve ser levado até o trem das 15h10 em Yuma, que o levará para uma prisão especial. Incubido da missão de transportá-lo e entregá-lo sem surpresas, Dan Evans (Bale) aceita o desafio pela recompensa oferecida, que deverá manter sua família sem fome por várias semanas.
            Com aquela velha média de uns 50 tiros por minuto, durante duas horas de exibição voltamos aos anos 60, com uma considerável melhoria de qualidade visual e de atuações. O filme convence, ainda que não conte com grandes originalidades ou com um desfecho empolgante, com direito a clichês reavaliações de consciência e mutualismos. 

            Divertido e menos violento do que se imagina, Os Indomáveis é interessante e bem feito, ainda que o Western continue sendo material exclusivo dos admiradores do gênero. O filme ainda teve duas indicações ao Oscar: Trilha Sonora e Edição de Som.

“Bang, bang, bang”

“Bang, bang”

“Bang, bang, bang”

“OOOhhhh”

Nota da Redação: Não resistimos [eheheheh]…

CineCrtica - Regular           Se os mais otimistas enxergam um significativo avanço da cinematografia nacional que anda se desvincilhando dos temas sexo e violência nas telas, com Sexo com Amor? sentirão a velha sensação de atraso novamente, ao menos no quesito sexual. Ainda que de forma bem-humorada e, por certo, divertida, a abordagem do filme de estréia no cinema do veterano Wolf Maia banaliza o sexo e propõe situações clichês de cunho desesperadoramente simplistas. Resultado: sucesso à vista.
           Não apenas o tema é de interesse público, mas o apelo de um elenco de globais totalmente gabaritados e um sexocomamor.jpgtrabalho de marketing pífio e apelativo devem atrair centenas de milhares de brasileiros ao cinemas, poucos dos quais teriam algo melhor a fazer durante a uma hora e meia de exibição…
           A história é simples. Um escritor famoso (José Wilker) trai sua mulher ‘chique’ (Marília Gabriela) com a professora de seu filho (Carolina Dickman), que vive confusa por namorar um artista que a ama, um homem da classe média (Eri Johnson), bem no ‘estilo morro’, sofre com a frigidez de sua esposa e com a tortura psicológica-sexual de sua recém-chegada sobrinha e um mulherengo (Reynaldo Gianechinni) inveterado se vê traído por sua mulher grávida (Malu Mader).
           O filme faz bem seu papel de apelar ao ridículo de situações cotidianas e comentários venenosos, divertindo as mais variadas audiências. Apesar de seu teor de entretenimento certo, o filme sofre com sua curta duração e com o ápice que liga todos os personagens no campo dos mais forçados que poderiam existir, provocando inconsistência à obra e, mais relevante, não comunicando ‘moral de história’ alguma. O trabalho acaba ficando mais interessante por ver talentos como Wilker em papéis antes inimagináveis e divertir-se com seu modo trash de encarar o desafio ou Gianechinni, que apenas reforça a certeza de tantos que, como ator, é um belo modelo…

“Pai, o que é masturabação?”

“Masturbação, filho… É…”

[…]

“Ah, então é que nem punheta, mas com outro nome!”

Se discorda, diz porque… 

IndicadoAoOscar.jpg            As longas e bem aproveitadas duas horas e meia de Denzel Washington vivendo o traficante Frank Lucas são válidas e bem produzidas. Após obras de gosto duvidoso como Um Bom Ano ou Cruzada, Ridley Scott volta à velha forma do biênio 2000-2001 (dentre outras, dirigiu Gladiador) e apresenta a história verídica de Lucas em um filme compassado e bem trabalhado, sem firulas ou apelos cômicos relevantes, deixando de lado até mesmo a preocupação com faixas etárias da obra.
            Em uma versão superproduzida e gabaritada que inspira obras como Meu americangangster.jpgNome Não é Johnny, American Gangster alavanca as bilheterias mundiais, com direito ao primeiro lugar nos EUA, ao mesmo tempo em que emplaca indicações no Oscar. O produto final é ainda estrelado por Russell Crowe e leva a assinatura do competente e ‘oscarizado’ Steven Zaillan no roteiro.
            Frank Lucas é motorista de um grande Gangster, por quem nutre admiração. Com ele, aprende o que se deve saber para gerir uma rede de tráfico além das máfias italianas no fim da década de 60. Após a morte do mesmo, Lucas toma seu lugar, importando heroína de Bancoc e vendendo-a nos Estados Unidos com uma pureza muito maior pela metade do preço praticado na época, construindo um reino próprio. Em seu encalço, está o incorruptível detetive Richie Roberts (Crowe), que tenta desmascarar seu esquema, que utiliza, inclusive, soldados americanos que voltam da Guerra do Vietnã como transportadores.
            A história é simples e, talvez, conhecida, mas o modo como é contada impressiona, incluindo a opção de não pintar Lucas como um homem legal e piedoso, mas um ser distinto pessoal e profissionalmente, capaz de ser carinhoso em casa, mas cruel com inimigos. A bela atuação de Washington rendeu mais uma indicação do filme ao Globo de Ouro. Poucos são os que saem das salas de exibição com a sensação que a obra possa ter ‘mudado sua vida’ ou entrado para sua lista de favoritos, mas menos ainda são os que podem dizer que desgostaram do produto apresentado. Entretenimento certo.

“A ‘Mágica Azul’ é uma marca, entendeu? Registrada, valorizada. Como Pepsi. Você não pode pegar meu produto, diluir e sair vendendo por aí como se fosse original, isso é roubo, você está seguindo?”
“Olha, cara, você não pode chegar aqui e falar assim comigo no meu lugar…”
“Eu falo com você do jeito que eu quiser e você vai fazer o que eu digo, ‘Mágica Vermelha’, o caralho, mas não use minha marca…”

CineCrtica - Regular            Em meio a belos investimentos da Disney como Ratatouille ou Encantada, o estúdio volta a investir no modelo medíocre, mas papa-bilheterias, de A Lenda do Tesouro Perdido e, mais uma vez, vê um desempenho mediano do resultado exibido nas telas.
Em O Livro dos Segredos, o novo Indiana Jones, Ben Gates (Nicolas Cage), é desafiado a provar a inocência de seu falecido bisavô, acusado de participar da conspiração que assassinou o presidente Lincoln. Ah, e claro, tem uma caça ao tesouro pouco relevante no meio da lendadotesouro2.jpghistória.
            Na seqüência do filme de 2004, Gates viaja ‘o mundo’ (entenda-se França e Inglaterra) atrás de pistas que o levariam à lendária ‘cidade do ouro’. Agora, além da inteligência sobre-humana enciclopédica dos personagens, eles também têm o poder de manipular pessoas de todas as formas, incluindo o presidente dos Estados Unidos, compreensivo e gente boa! Assim, o filme continua sob o estigma de seguir a tendência ‘O Código da Vinci’ de fazer cinema, mesmo que o resultado seja tão inferior.
            Pouco funciona na obra, uma vez que os casos amorosos e problemas conjugais do protagonista e de seus pais passam quase pateticamente notados em toda a trama e o senso de perigo não é relevante até uma única ‘prova’ próximo ao clímax do filme. Nem as perseguições de carro instigam a audiência, deixando o ambiente propício para a salvação por meio da comédia, claro! Por isso, é Justin Bartha quem rouba a cena de Cage, com comentários non-sense a cada dois minutos de exibição, provocando as poucas interessantes risadas que A Lenda pode proporcionar. Para fãs.

“Você não é aquele caça tesouros?”
“Sou sim”
“Ben Gates?”
“Não, mas eu também descobri o Tesouro Templário…”
“Sério? E você tem uma Ferrari?”
“Tenho. Tenho sim…”
“É que estão rebocando ela…”

CineCrtica Recomenda          Não há nada de realmente novo em Eu Sou a Lenda, além da capacidade de um filme com zumbis se manter no topo das bilheterias e arrecadar mais de um quarto de milhão de dólares quase que burocraticamente. E, claro, possuir uma brasileira no elenco que realmente fala e reage.
          Na nova adaptação de I Am Legend (a terceira), romance Richard Matheson, podemos ver o ‘papa-carisma’ Will Smith no papel de Robert Neville, suposto único sobrevivente de uma peste que dizimou 99% da população mundial e transformou praticamente todos os demais em “caçadores das trevas”(zumbis). Por alguma razão desconhecida, Neville é imune e, cientista, passa a ser obcecado com a possibilidade de achar uma cura para a doença.
          Um dos pontos mais fortes na obra é a explicação lógica de como uma realidade mutante como a apresentada poderia ser real. A cientista Alice Krippin (Emma Thompson) alterou geneticamente vírus do sarampo de forma a torná-lo benéfico para os homens, atacando apenas células cancerígenas. A doença se manifesta seis meses depois como um efeito colateral ao remédio do câncer, passando a ser transmitida pelo contato e pelo o ar, o que iamlegend.jpgdizima bilhões de humanos.
          A obra possui diversos pontos altos, que a tornam distinta das demais produções hollywoodianas sobre o apocalipse, em especial a atuação quase orgânica de Smith, que leva o projeto nas costas durante pouco mais de uma hora, à la ‘Náufrago’. Além disso, o roteiro compassado e agonizante do roteirista Akiva Goldsman (Oscar de Roteiro por Uma Mente Brilhante) e a mão presente nos mínimos detalhes do diretor Francis Lawrence (mais conhecido pela direção de filmes como Constantine ou videoclipes da MTV de astros pop como Shakira e Britney Spears).
          Dois são os pontos que mais impressionam. O primeiro é a capacidade de prender a atenção da audiência por duas horas em uma história praticamente já conhecida e revisada várias vezes. O segundo é a ambientação monumental na cidade de Nova York, destruída, abandonada e literalmente entregue à natureza, com direito a grandes árvores e animais selvagens circulando pela quinta avenida. É no mínimo estranho observar a reprodução de cada detalhe da cidade às avessas, em grandes tomadas panorâmicas que apresentam um Central Park entregue às plantações e uma Times Square propícia para a caça.
          O grande trunfo do filme está em colocar o espectador junto a Smith, e no lugar dele, pensando no que faria na mesma situação em que se encontra. Eu Sou A Lenda tem a estranha capacidade de causar interação do público com os acontecimentos, como se o personagem da ‘telona’ pudesse ouvir os conselhos preocupados de um público que agoniza nos momentos de suspense e perseguição.
          O grande problema do filme está na fórmula clichê adotada para tratar alguns pontos, dos quais a supervalorização dos zumbis se destaca. Não se trata apenas de pessoas que passam a ignorar seus instintos de sobrevivência e a grunhir por sangue, mas de seres que têm capacidade lógica de aprender com seus erros e bolar planos mirabolantes, sem lapsos de memória ou interrupções intelectuais, dadas suas ‘condições’. O grupo, ainda e infelizmente, parece subordinado a um líder brutamontes que consegue criar armadilhas sensacionais e estratégias de ataque impressionantes, mas não está nem um pouco disposto a entender os mais simples sinais ou propostas de salvação… 
          Se as grandes tomadas inicialmente valorizam o amplo e distante para focar Nova York e o vazio para dar forma aos temores do protagonista (com direito a barulhos distantes e esconderijos simplificados), a partir do momento que os zumbis aparecem, a fotografia empobrece, sendo generosa nos detalhes da maquiagem e efeitos especiais em cada traço dos seres que aparecem, deixando de lado o interessante ‘desconhecido’ para apostar em closes generosos que contribuem, apenas, para desmistificar as criaturas, reduzindo seu poder de amedrontar a audiência.
          Ainda que apele para o arrasa-quarteirões clássico, com apelo de marketing e de composição visual, o filme é o típico entretenimento ‘poltrona e pipoca’ que agrada multidões, sem maiores pretensões filosóficas, apesar do viés religioso que marca seu clímax. Vale a pena destacar a simplicidade e competência de Alice Braga no elenco, que representa, de forma absoluta, uma alternativa ao estilo de vida com o qual o público se acostuma a imaginar durante quase toda a exibição do longa. Entretenimento garantido.

“Imagine um motorista embriagado dirigindo um carro em alta velocidade. Esse motorista pode machucar muitas pessoas, mas pensemos em um policial como uma pessoa boa e coloquemos ele no lugar do bêbado. A imagem muda de figura.”
“Quantos testes vocês já realizaram até o momento?”
“10.909”
“Quantos ficaram livres do câncer?”
“10.909”
“Então podemos dizer que vocês criaram uma cura para o câncer”
“Acredito que podemos dizer isso…”

E aí? O que achou? Esperava mais?

IndicadoAoOscar.jpg           Desejo e Reparação aparece nos cinemas como um suspiro de bom gosto e sensibilidade em meio à ganância dos blockbusters hollywoodianos. Romântico e cru, Atonement conta com platinados atores e a direção mais que competente de Joe Wright, não se desvencilhando do modelo Hollywood de fazer cinema, mas adaptando-o com um belo roteiro.
           A história conta como Briony Tallis interferiu diretamente no romance de sua irmã, Cecília (Keira Knightley) e o filho da governanta, Robbie Turner (James McAvoy), por quem também nutre uma paixão, ao acusá-lo de um estupro realizado nas imediações de sua casa. A acusação leva o rapaz à prisão, deixando de lado a universidade, e, então, à 2ª Guerra, passando cinco anos longe de atonement.jpgcasa.
           Se o ‘o que’ do filme pode ser considerado simples, seu ‘como’ eleva o nível da obra. A idéia de recomposição de mesmas cenas por diferentes ângulos trabalha minuciosamente a criação de maus entendidos ou como se opera a imaginação em uma mente ociosa. O trajeto linear do tempo não é abrupto, mas quebra os ideais apresentados, provocando, sempre, novos direcionamento na trama e no destino dos personagens, surpreendendo a audiência com novas e inesperadas informações à medida  que os créditos se aproximam.
           Modesto, delicado e custando apenas 35 milhões de dólares, Desejo e Reparação passa a figurar com rapidez a lista dos romances de época clássicos e eternizáveis, marcado, ainda, pelas belas atuações que lhe renderam diversas indicações ao Globo de Ouro e ao Oscar. Com uma direção de arte e trilha sonora impecáveis, o tom de paixão e arrependimento que perpassa toda a obra fica evidente, amplificando totalmente o potencial de uma noite de sexo inconseqüente em 1935, que muda o curso de diversas pessoas.
           O figurino e a fotografia são shows à parte, devidamente reconhecidos pela Academia, não apenas por atribuir realidade à proposta, mas elevar os significantes de cada cena, representando muito mais do que uma época, mas traços perceptíveis de personalidades constantes e sofridas, muitas vezes impassíveis de mudanças.
           O diálogo direto com nossos tempos surpreende, tornando o clímax da obra ainda mais efetivo, sem perder, no entanto, sua impressão mais poética. Em um dos poucos títulos nacionais bem colocados, a idéia da ‘Reparação’ é totalmente explorada nos últimos minutos de exibição, sob um manto nostálgico que não adoça em demasia a obra, mas a torna amarga e emocionante como todo bom romance que se preze. Entretenimento certo.

“Você o viu?”
“Eu sei que foi ele.”
“Você sabe ou você o viu?”
“Eu o vi!”
“Você o viu com seus próprios olhos?”
“Eu sei que foi ele e eu o vi com meus próprios olhos!”

CineCrôica Recomenda         Tanto as sinopses da maioria dos cinemas quanto o trabalho de marketing desenvolvido a partir do trailler de O Caçador de Pipas, da Paramount, parecem tirar de cena os potenciais expectadores em relação ao ponto alto da trama apresentada para que os mesmos possam ter uma agradável surpresa ao conferir a adaptação cinematográfica do primeiro best-seller escrito em língua inglesa por um afegão.
         A apresentação da história da volta de Amir ao Afeganistão após viver anos nos Estados Unidos não é, de fato, o sustentáculo principal do entretenimento proposto por The Kite Runner. Esse trecho da trama é apenas o terço final, quando avaliamos conseqüências e reparações por parte do protagonista Amir  (Khalid Abdalla). O grande atrativo, e poesia, da obra está na lembranças exibidas em um flashback infindável, determinante do sentido do filme.
         Composto por cenas simples e despretensiosas, os momentos exibidos que focam a infância de Amir e Hassan é thekiterunner.jpguma pura ostentação a uma ingenuidade e fidelidade tidas como extintas em nossa sociedade globalizante. Claro, o clichê está ali, um garoto rico, não popular, amigo de um outro, pobre, que passa por freqüentes provas de fidelidade. Mas isso é o de menos. Bem como o ambiente afegão e exótico se torna, também, coadjuvante.
         O grande trunfo de O Caçador de Pipas é apresentar uma amizade inabalável, uma fidelidade imaculada, ainda que escancare as deficiências da reciprocidade, a psicologia da pressão familiar e social, além dos desvios de personalidade de um protagonista, sem poupa-lo de quaisquer linchamentos morais por parte da audiência. O personagem está ali mais para representar nossas fraquezas de cada dia e nossa busca pelo preenchimento de vazios internos ou absolvição de culpas do que para ser o típico herói cinematográfico.
         Enquanto o carismático Hassan encanta por seu caráter, em uma pureza quase mecânica, é Amir quem melhor representa a poesia do ser humano, cheio de contradições e pesos numa consciência egoísta, mas fundamentalmente comum. As revelações que lhe são feitas quando já adulto não são suficientes para motivar as ações que culminam no clímax da trama, mas suas ações do passado, sim. Não é a verdade ou a bondade que o comove, mas a fidelidade de um amigo que faz valer o ditado popular que “mesmo te conhecendo, ainda assim te gosta”. 
         Tecnicamente, a obra não apresenta grandes problemas. Com efeitos especiais sóbrios e discretos, trilha sonora firme e constante e uma maquiagem competente, os aspectos mais servem para catalizar o fluxo emocional do roteiro do que para chamar a atenção em sua singularidade. A direção de Marc Foster é compassada e presente em seu estilo mais forte, apelando para os ângulos e sentimentos menos atrativos dos personagens, valorizando-os, bem ao estilo ‘A Última Ceia’.
         Ainda que contenha grande parte da trama sustentada por crianças, o filme não é recomendado para o público infantil, uma vez que as sugestões de violência, incluindo sexual infantil, podem não garantir tão boas lições quanto à bela amizade dos protagonistas.

“Ainda há uma chance de ser bom, Amir”

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