CineCrôica Recomenda         Tanto as sinopses da maioria dos cinemas quanto o trabalho de marketing desenvolvido a partir do trailler de O Caçador de Pipas, da Paramount, parecem tirar de cena os potenciais expectadores em relação ao ponto alto da trama apresentada para que os mesmos possam ter uma agradável surpresa ao conferir a adaptação cinematográfica do primeiro best-seller escrito em língua inglesa por um afegão.
         A apresentação da história da volta de Amir ao Afeganistão após viver anos nos Estados Unidos não é, de fato, o sustentáculo principal do entretenimento proposto por The Kite Runner. Esse trecho da trama é apenas o terço final, quando avaliamos conseqüências e reparações por parte do protagonista Amir  (Khalid Abdalla). O grande atrativo, e poesia, da obra está na lembranças exibidas em um flashback infindável, determinante do sentido do filme.
         Composto por cenas simples e despretensiosas, os momentos exibidos que focam a infância de Amir e Hassan é thekiterunner.jpguma pura ostentação a uma ingenuidade e fidelidade tidas como extintas em nossa sociedade globalizante. Claro, o clichê está ali, um garoto rico, não popular, amigo de um outro, pobre, que passa por freqüentes provas de fidelidade. Mas isso é o de menos. Bem como o ambiente afegão e exótico se torna, também, coadjuvante.
         O grande trunfo de O Caçador de Pipas é apresentar uma amizade inabalável, uma fidelidade imaculada, ainda que escancare as deficiências da reciprocidade, a psicologia da pressão familiar e social, além dos desvios de personalidade de um protagonista, sem poupa-lo de quaisquer linchamentos morais por parte da audiência. O personagem está ali mais para representar nossas fraquezas de cada dia e nossa busca pelo preenchimento de vazios internos ou absolvição de culpas do que para ser o típico herói cinematográfico.
         Enquanto o carismático Hassan encanta por seu caráter, em uma pureza quase mecânica, é Amir quem melhor representa a poesia do ser humano, cheio de contradições e pesos numa consciência egoísta, mas fundamentalmente comum. As revelações que lhe são feitas quando já adulto não são suficientes para motivar as ações que culminam no clímax da trama, mas suas ações do passado, sim. Não é a verdade ou a bondade que o comove, mas a fidelidade de um amigo que faz valer o ditado popular que “mesmo te conhecendo, ainda assim te gosta”. 
         Tecnicamente, a obra não apresenta grandes problemas. Com efeitos especiais sóbrios e discretos, trilha sonora firme e constante e uma maquiagem competente, os aspectos mais servem para catalizar o fluxo emocional do roteiro do que para chamar a atenção em sua singularidade. A direção de Marc Foster é compassada e presente em seu estilo mais forte, apelando para os ângulos e sentimentos menos atrativos dos personagens, valorizando-os, bem ao estilo ‘A Última Ceia’.
         Ainda que contenha grande parte da trama sustentada por crianças, o filme não é recomendado para o público infantil, uma vez que as sugestões de violência, incluindo sexual infantil, podem não garantir tão boas lições quanto à bela amizade dos protagonistas.

“Ainda há uma chance de ser bom, Amir”

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